Farias Brito e Immanuel Kant: questões morais sobre a pandemia

O Prof. Hálwaro Carvalho* diz que a filosofia – cearense e alemã – nos ajuda a pensar na responsabilidade com as ações pessoais e sociais na pandemia.

O coronavírus lança ao mundo o desafio de repensar a sociedade. Duas palavras que se complementam vêm sendo muito utilizadas nesse cenário: moral e responsabilidade. Certamente ninguém estava minimamente preparado para enfrentar essa situação em que estamos e é natural que haja muitas incertezas e angústias. Entretanto, todos, enquanto indivíduos que formam a sociedade, devem medir suas ações e pensar o que estas podem ocasionar aos outros. Questões, como: Posso só ir ali na esquina sem máscara?Ou afirmações do tipo: “Ah, estão querendo restringir minha liberdade”! Ou “Sou novo, se eu pegar eu meu recupero rápido!” fazem parte da esfera moral.

Farias Brito (1862/1917), filósofo cearense, pode nos ajudar a refletir sobre nossas ações em meio a essa pandemia. Para o autor, há duas manifestações fundamentais do espírito humano na marcha geral da sociedade: a Política e a Filosofia. A política fundamenta o Direito. Já a Filosofia resulta na moral, o que nos interessa particularmente aqui. Como agir moralmente nessa nova configuração da sociedade? Que concepção de sociedade deveríamos abraçar? A força motora desse novo corpo social deve advir, diria Farias Brito, das produções do espírito humano. Considerando a moral como o conjunto de princípios pelos quais o indivíduo deve regular sua conduta, é inegável que o fim da moral é prático. Qual conhecimento, assim, poderia nos ajudar a compreender melhor como é formado tais princípios? A Filosofia! Esta, é caracterizada pelo filósofo cearense como àquela esfera do corpo social que cria um sistema moral e que reflete sobre o contexto onde este é formado. As questões morais, hoje, devem levar em consideração o avanço da ciência, da tecnologia e do papel do próprio indivíduo inserido nessa totalidade.

A força motora desse novo corpo social deve advir, diria Farias Brito, das produções do espírito humano.

O isolamento social fez reconhecer que o indivíduo tem em si mesmo os meios de promover seu engrandecimento, estabelecendo que a virtude se adquire pela vontade, pela paciência e sobretudo pela razão. Caso Farias Brito estivesse vivenciando esta pandemia, possivelmente ele poderia nos dizer que o caminho para sairmos melhores seria pensarmos mais sobre as verdadeiras significações da vida, na evolução indefinida do ser humano e na concepção de fim sobre o qual queremos que se encaminhe a natureza. Todas essas questões, inevitavelmente, cairiam num novo sistema moral. Este, poderia ser mais justo e menos desigual.

O isolamento social fez reconhecer que o indivíduo tem em si mesmo os meios de promover seu engrandecimento, estabelecendo que a virtude se adquire pela vontade, pela paciência e sobretudo pela razão.

Outro grande filósofo que pode nos ajudar na compreensão da moralidade e da responsabilidade social que esse tempo, mais do que nunca, nos evoca, é Immanuel Kant. Filósofo alemão do século XVIII, Kant, se destaca quando o assunto é a fundamentação moral do agir humano. Este filósofo encara o prisma moral do ponto de vista universal. Vejamos algumas máximas e depois tentemos refletir com exemplos algumas ações do nosso cotidiano frente à pandemia. Diz Kant: “Age de modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre, ao mesmo tempo, como princípio de legislação universal”; “Age de modo a considerar a humanidade, seja na tua pessoa, seja na pessoa de qualquer outro, sempre como objetivo e nunca como meio”. Ora, não são poucos os exemplos que podemos aplicar as máximas de Kant ao nosso contexto. Pensemos e imaginemos a seguinte situação: “Bem, vou à praia tomar um banho de mar, já que não tem ninguém”. Perguntaria Kant: “Essa sua vontade de ir à praia (que funcionaria como uma máxima nesse exemplo) pode ser uma ação que todos podem fazer nesse momento? ” Ou seja, tua vontade pode se tornar um princípio universal? Se a resposta for SIM, sua ação é moral. Já se a resposta for NÃO, sua ação é totalmente egocêntrica, baseada apenas em inclinações subjetivas. Imaginemos outra situação: “Vou tirar um pouco essa máscara no supermercado, estou suando muito”.

 Apliquemos a máxima de Kant: O fato de você tirar a máscara, por pouco tempo que seja, pode ser reproduzido por todos que estão no supermercado? Novamente o critério moral serve de guia na resposta. Claro, as máximas, assim como os exemplos dados, são apenas uma parte da longa teoria desenvolvida pelo filósofo de Königsberg, que revolucionou o pensamento sobre a moralidade e outros pontos que não vêm aqui. Que continuemos, como o filósofo cearense Farias Brito, com a atividade permanente do espírito humano (filosofia) e que ouçamos Kant quando o mesmo diz:  “Sapereaude! Tem a coragem de servir-te de tua inteligência”.

*Hálwaro Carvalho Freire, doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará, com sanduíche na Martin Luther Universität Wittenberg, professor da Faculdade Católica de Fortaleza – FCF e pesquisador do Centro de Estudos em Filosofia Brasileira.
Fale com o Autor: halwarocf@yahoo.com.br